quarta-feira, dezembro 12, 2007

fernanda botelho [porto 1926-lisboa 2007]










No ano de 1958, quando Fernanda Botelho publicou, Calendário Privado, dizia-se: "Poeta conhecida de um reduzido sector intelectual, ei-la que obtém, repentinamente, a consagração do grande público e dá à crítica a consoladora esperança de ver sair o romance português da ambígua situação em que se encontrava (...)", escreveu no Diário de Notícias, ao tempo, João Gaspar Simões. Este crítico afinava sempre a sua brilhante prosa interpretativa dos novos valores, onde pressentia, o 'nascer' de um novo escritor. E acertou em breve tempo, com o o destino da obra e da escrita de Fernanda Botelho. Foi disso exemplo, o prémio Camilo Castelo Branco que recebeu em 1961, laureando o romance, A Gata e A Fábula (1960).
Sobre o estilo de Fernanda, Urbano Tavares Rodrigues, considera-a "de um rigor, de uma originalidade tais que a troca de um simples palavra na maioria das suas frases apagaria
intensões. Este estilo acutilante, irónico, pessoalíssimo, todo ele nervo e criação, bastaria para impor decisivamente Fernanda Botelho (...)".

Esta enigmática escritora, já igualada ao estilo de Agustina , quando nos reencontrámos nos anos 80 num programa 'biográfico' que eu realizava para a RTP, senti esse 'enigmatismo' mas de uma forma positiva; na expressão vincada do conhecimento das respostas às nossas questões, não sem a ironia, que nunca prescindia connosco antes, durante e no final do trabalho. Era uma mulher extraordinária, excelente poeta da geração da Távola Redonda -uma época de grandes poetas -, e não menos prosadora, concretizado nos romances um estilo que de facto se liam..., leituras com enredos irónicos sim, mas que passam por metáforas como metáfora foi a sua vida.

Não gostaria de falar da sua morte mas no 'desfecho' da partida para uma eternidade que, no dizer das suas palavras bem recentes no jornal Público, que refere: "A morte, neste momento, não tem nada de assustador para mim. Assustador é o sofrimento, não a morte. Já vivi 76 anos, não é tão mau como isso. Evidentemente que, se chegasse aos 90, era capaz de querer os 100... Mas a partir daqui não pensar na morte é quase inconsciência. "

sábado, dezembro 08, 2007

novo livro de poemas



Manuel Varella










da arte da re-semântização


o ruído veio do outro lado do absurdo
onde a luz se amarra à vontade d'existir
capaz de um sentido realista, obtuso
e prosseguir no deserto sem rumo certo
contemplando como se transforma
as folhas de um livro ditado ao telefone;

as palavras luzem de raiva submissas
e comunicam onde o sol não existe
sem uma porta que nos dê o lado de lá
o sentido das folhas brancas sem escrita
na razão absoluta de horas bem tristes
da palavra que, da semântica, ressuscita.

excerto do Livro, "


quarta-feira, outubro 03, 2007

de Cesário Verde, excerto de "A Débil"













1855-1886


1875
1ªversão autógrafa de Cesário de "A Débil"







1ª quadra do poema de
Cesário Verde, A Débil, em 1876,

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
quero estimar-te sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.[...]

quinta-feira, setembro 13, 2007

Alexander Search


















Alexander Search [1907]



A "meu maior amigo"


Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.

Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.

A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem.
Alexander Search

Poesia
edição e tradução
Luísa Freire
Assírio & Alvim
Obras de Fernando Pessoa
1999

_________
desenho e concepção
da figura heterónima
de Alexander Search de
Manuel Varella [2007]

quinta-feira, março 22, 2007

requiem por Jan Palach

Arde o coração de Praga,
Arde o corpo de Jan Palach,
Podemos dizer que o Rei Venceslau
Também viu crescer o fogo
Em que arde o coração de Praga.
E os cavaleiros da Boémia,
O Povo e os Grão-Senhores,
Os Operários de Pilsen,
Os Poetas e os Trovadores da Eslováquia
Todos ardem na Praça de Praga.
João Huss, queimando o seu corpo,
também arde nessa tarde e nessa praça.
-Queimamos a coragem e o heroísmo,
Queimamos a nossa infinita resistência.
Não é verdade, Soldado Schweik?


José Valle de Figueiredo

excerto do poema "Requiem por Jan Palach"
in O SEU A SEU POEMA
edição INCM, Lisboa, 2007


->A VOZ do POEMA

quarta-feira, março 21, 2007

dia mundial da poesia2

Sobre Que, Exaltada

Sobre que dor
dada quando,
sobre quanta.
Que à parte,

embora desta
ou outra ilha:
dada era,
de água divisa.

De outro lado fora,

ou andada, ou ponte,

ou tronco ileso.

Ao meio; ao meio.


.José Valle de Figueiredo
do Breve Tratado da Esfera
in O Seu a Seu Poema, Lisboa, INCM, 2007





dia mundial da poesia1

Hoje dia Mundial da Poesia... quase ninguém sabia.
Fui a várias livrarias na periferia de Lisboa, e
nada; nem Aleixo que aparece em toda a parte...

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

de Fernando a Fernando







Ano 2007

Na Casa Fernando Pessoa
a homenagem ao "to-caio"
Fernando Assis Pacheco;
a poesia portuguesa
agradece.







LOUVOR DO BAIRRO DOS OLIVAIS

Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudantes; eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente

in A Musa Irregular, de F. Assis Pacheco
Edições ASA, 2ªEd., Lisboa, 1996

_________

Nota de mv:
Fui conterrâneo de Fernando Assis Pacheco
e seu vizinho no anterior citado bairro da periferia
em Coimbra; a ter de começar uma biografia
sobre a sua vida, tê-la-ia feito tal qual descreve
o soneto e, a partir daqui, seria sempre a dobrar...



quinta-feira, janeiro 25, 2007

da reminiscência platónica

Cena da Ilíada, de Homero


















Encontrarás perto da morada dos mortos, à esquerda, uma fonte
Junto a ela, todo branco, ergue-se um cipreste.
Essa fonte, não vás lá, dela não te aproximes.
Outra encontrarás que vem do lado da Memória,
água fria que brota. Ladeada de guardas.
Diz-lhes: Sou a filha da Terra e do Céu de estrelas,
mas tenho origem no Céu. Isso sabem-no vocês.
A sede consome-me e mata-me. Ah! dêem depressa
a água fria que brota do lago da Memória.
E permitir-te-ão beber da fonte divina,
e então entre todos os heróis, irás reinar.

Ilíada, Homero/Diels, 5ªEd.I,p.15 -
edição portuguesa, Livros Cotovia

segunda-feira, janeiro 22, 2007

o derradeiro frio no coração do homem

Edith Sitwell 1887-1964


















Poeta inglesa, crítica, biógrafa, novelista e jornalista.
Manteve relacionamento íntimo com Virgínia Woolf; com a sua
governanta e professora de Francês Helen Rootham -excelente
tradutora- e foi amiga, com grande cumplicidade, de T.S.Eliot.
A poesia de Edith Sitwell tem a chancela do modernismo de 90;
a rara qualidade expressa na sua poesia, não o moderno "selvagem",
mas o estilo fino e experimentalista do poema, condensado em imagens dum
jogo poético, ora de discernimento e do oposto [o nonsense],
ora do metaforismo harmónico, oposto pelo dissonante...
Neste ano que decorre, 2007, passam 120 anos do nascimento de Edith Sitwell.

[...] Ah, em que era eu inferior à Morte,
Que à verdade faltasses? Agora, docemente, ó Idade,
Minha só companheira, aperta-me com força, para que eu
Esqueça o teu beijo. Os fogos foram do meu peito.
E, todavia,com se em chuva se fizessem,
O próprio coração, as minhas lágrimas
são fiéis ainda.

Há outra linguagem da Morte?
Por isso aqueles de que temos saudade voltam
Não mais! Por breves palavras de amor dizem...

Como ouviremos no clamor de Babel?
Não fazem ruído:
Os grandes movimentos do mundo passam sem estrondo;
Os dourados jovens,
Primavera grande, ao pó voltam como a quem amem...
E parte-se o coração sem ruído.*

Escreve Jorge de Sena a propósito da poesia de E.Sitwell:
"[...] é uma lição e um exemplo de arte poética, como é
também da magna missão oracular da poesia, está longe
de ser simples. Todo o seu estilo visa à expressão directa
de uma complicada transfiguração. As imagens sucedem-se,
inteligíveis na sua beleza inesperada, mas misteriosas na
relação para com a transfiguração que representam. Uma
mulher de olhar profundo se contempla se contempla e ao
fluir da vida, sabendo as formas que o fluir em todos os
tempos tomou. E a sua poesia, para significar essa presença
permanente do que se passa, é um sound like fear 'som como
terror', no qual segundo disse W.B.Yeats, 'regressa à literatura
algo ausente: [...] paixão enobrecida pela intensidade,
o sofrimento, a sabedoria' [...]".
________
*Poema The Road to Thebes, traduzido por Jorge de Sena,
ed.Relógio D´Água, Maio de 2005.

domingo, janeiro 21, 2007

criadores de tudo


as gerações
neste Mundo,
a infância regressa
ao rio profundo,
à memória da paisagem
a minha história
a imagem, a calçada
em pedra livre
e castanha
a cor perdida na lava
a lagrimar sozinha
num sentir
quase humano
longe de ruídos
de antanho
prosa cantada
em lugar estranho
e ninguém diz nada
aqui neste caderno
onde a saudade
se recolhe
triste e arrefecida
num dizer
de nada querer...

as gerações
este Mundo
perderam tudo
sem vontade
de lutar.

adopção

ingénua e sorridente
criança, sem norte
nem segurança
nas mãos de qualquer
sorte, alma e mistério
do mundo desigual
numa tarde colorida
de aflições; a mãe
percorre montes
e valados perseguida
escondendo a cria,
em tempos rejeitada,
numa fúria de correr,
chegar cedo
e protegê-la
em qualquer lado...

sem medo
da justiça de Salomão
da criança cortada
em duas partes;
sim, ou não?
ninguém sabe.